Pacheco, Rapaz de Imenso Talento

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Pacheco, Rapaz de Imenso Talento

Em lojas palreiras de barbeiros ou escuras botijas, como lembra Eça de Queirós, se dizia com respeito e esperança: “parece que há agora aí um rapaz de imenso talento”. E todos, em todo país, repetiam: “É o Pacheco, rapaz de  imenso talento”. Por onde andava se falava no imenso talento de Pacheco. De degrau em degrau Pacheco logrou alcançar a Presidência do Congresso Nacional, eleito pelos seus pares.

Quando os representantes da oposição na Câmara  enviaram uma importante mensagem para a apreciação dos congressistas, Pacheco conservou-se silente, até que irrompeu, interrompendo o seu profundo silêncio: “ de pé, com o  dedo em riste espetado”, como rememorou Eça de Queirós, em  suas  Cartas a Fradique Mendes: “que ao lado da liberdade devia sempre  coexistir a autoridade”. E os membros do Governo ficaram pasmados com tanta sabedoria e talento.

A proverbial magnificência intelectual de Pacheco estava se  espalhando para os magistrados da  suprema corte do país. Embevecidos e encorajados, os ministros passaram a dar pitaco nas coisas da Republica e da política nacional, a tal ponto que fizeram tábula rasa da Constituição e implantaram uma ditadura civil no país. 

Na  cabeça brilhante de Pacheco a maioria dos senadores via a expressão do  saber jurídico do eminente parlamentar, e  ainda quando Pacheco recluso em si mesmo impedia o Congresso de  apreciar o impedimento de um ministro do STF, entre outras coisas, por violar a Constituição  da República, aquilo era interpretado como mais uma inabalável convicção do gênio, uma manobra para garantir o estado democrático de  direito, ameaçado por um povo  “incivilizado”, como revelou um supremo sábio, também um pacheco, travestido de  um deus antropológico, tanto que ontem ao sair de casa, após o café da manhã, deparei-me com uma manada de Pitecantropos Erectus, do  grupo conhecido entre nós - os     “incivilizados” - de arcossauros domesticados e inofensivos!

Mergulhados na pré-história, descendentes dos Afukaka Kuikuro, os brasileiros talvez não estivessem prontos para viver em liberdade, sob a égide das leis. Era preciso o talento de Pacheco para prodigalizar suas imensas virtudes morais. E Pacheco calou-se diante dos apelos incansáveis, com vistas à restauração da liberdade de expressão e da normalidade democrática.

Os corifeus da ordem e do regime constituído pelos civilizados, tinham gravado na memória as derradeiras palavras proferidas por Pacheco: ”que ao lado da liberdade etc etc, e  tal... Como narra o brilhante romancista português, “o Congresso compreendeu que, sob aquele curto resumo havia um mundo, todo um formidável mundo, de ideias sólidas”, e, desse modo talentoso, a nação inteira se  viu privada de  sua  soberania. 

Pacheco passou o resto da vida repetindo, ainda que  raramente, esta mentira deslavada, e  dizem que cada vez mais se restringe o número dos seus admiradores, embora ainda persistem aqueles que se  ajoelham a seus pés toda vez que ele  ameaça, com o ligeiro toque em seus óculos, que  vai fazer um novo pronunciamento.

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