Por Mares nunca Dantes navegados

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Por Mares nunca Dantes navegados

O Cavaleiro da Ordem do  Mérito Naval, Aleixo Belov, nascido na  Ucrânia, de mãe ucraniana e  pai russo, aos 79 anos de idade, baiano por amor à  terra que o  acolheu desde os sete anos e que o  guiou pelos caminhos da  vida, depois de cinco voltas ao mundo, navegou pelas  águas geladas do  Oceano Ártico, atravessando a passagem noroeste, entre os oceanos Pacífico e Atlântico.

O intrépido e experiente comandante estava a bordo, juntamente com sua tripulação de cinco homens e duas mulheres do veleiro escola Fraternidade, que se aventurou, em meio as incertezas e desafios, por águas nas quais muitos navegadores, no  passado, foram tragados pela inclemência do gelo, a vertigem da fome e da terra inóspita e  desconhecida. 

Below escreveu um livro pleno de dissertações sobre a  difícil arte de  navegar em  mares cambiantes,  onde  os  ventos, a profundidade das  águas, os  mapas  de  gelos, os imensos  icebergs - nos  quais  derivou  neles  ancorados à  espera dos ventos  favoráveis e do derretimento dos blocos de  gelo - apenas  para  mencionar  dificuldades comuns no  mar  gelado, às  vezes eram povoados de  ursos polares, espreitando o barco, que  seguia  impávido o  seu  rumo.

Filmou tudo, arte dominada por um dos tripulantes e  muitos desses  filmes  tem  sido  exibidos na  televisão brasileira.

O Fraternidade deslocava-se com oitenta toneladas de  peso. A embarcação foi projetada e construída nos estaleiros de  propriedade da Belov Engenharia, em  Mapele, na  borda da Baia de Todos Os Santos e  além de  dois motores possantes e  seu  velame  esplendoroso, não faltaram os mais modernos equipamentos eletrônicos, os  mapas  náuticos mais minuciosos e a  farta comunicação propiciada  pelos meios mais modernos.

Todavia, nada disso  seria muito  útil não fosse a experiência de  Belov e  a  cooperação  dos  seus  alunos, pois  a  cada onda  que se quebrava na proa da majestosa embarcação, mais uma  etapa  era vencida  e novos desafios reclamavam a  coragem, a  imaginação e a destreza dos  navegadores.

Mais do que os  aparatos  técnicos e da  base científica de  que se  valeram e do  tino do  velho  comandante, impressionou-me, na leitura que  fiz de  uma só  sentada  do livro narrativa dessa viagem pelos  confins  do mundo, os valores humanos vivenciados por Below, perante as  decisões que  tomava. Precisamente, era o que  tinha de extraordinariamente humano e definitivo.

Quem lê Passagem Noroeste 2022 nunca mais poderá dizer  que conhece o mundo, ainda que  tenha visitado  todos os  continentes, e se encantado com a  obra do  homem sobre a  Terra, suas  construções magníficas, a diversidade  de  suas  culturas e  civilizações, suas industrias e cultivos e as  coisas impensáveis do  mundo  virtual.

Esses navegantes atrevidos sabiam que o verão ártico poderia pregar uma peça e aprisionar o veleiro num beco sem saída. O gelo inesperado movimenta-se sem parar. A  paciência e a precaução de Below lembra a sina do velho  marinheiro, amável  personagem do famoso livro de Ernest Hemingway. O Fraternidade tinha uma reserva de uma tonelada e meia de alimentos, a fim de vencer o inverno traiçoeiro naquelas geleiras medonhas.

Para um homem que ainda não tinha penetrado naquele mundo quase proibido a paciência, a tolerância e a  resignação valiam mais do que a  ousadia e a intemperança. Convinha ter medo. Na Divina Comédia, o  fanfarrão sustenta  que  pode saltar de  uma  só  vez  o Colosso de  Rhodes. Então, lhe é apresentado esta maravilha do mundo antigo: salte-a! O comandante buscou na  sabedoria, provavelmente de  suas próprias experiências, a  medida exata de  sua  cautela. E só prosseguiu na busca da inédita passagem  depois que o perigo  cessou, ainda que tivesse custado  tantos dias a  deriva!

Naquelas  imensidões geladas do  Alaska à Groelândia e naqueles mares traiçoeiros a presença de  uma  tripulação brasileira, tão habituada à  caricia morena  dos ventos, a  viagem pioneira de  Aleixo  Belov e  sua tripulação, deixa um marco histórico na  capacidade do  homem enfrentar e  vencer  dificuldades com sabedoria, descortínio e  leveza.
 

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