Os momentos que tive ao lado desta Inesquecível ficaram marcados e hoje trago aos leitores do Farol um destes momentos, até porque, “o que não se registra, o vento leva” - provérbio cunhado por Mãe Stella de Oxossi.
Elpídia Raimunda dos Santos é mais uma das antigas “tias” do Ilê Axé Opô Afonjá. Nascida em Itaparica no início do século XX, em 10 de setembro de 1920, foi iniciada por Maria Bibiana do Espírito Santo – Mãe Senhora de Oxun, em 05 de setembro de 1942. Foi para Rio de Janeiro, onde morou por muitos anos, retornando posteriormente para Salvador por determinação de Xangô. Seu orukó – nome de santo era: Iwinṣọla – o espírito está vigilante. Iwin é o epíteto dos filhos de Oxalá.
Infelizmente, sigo com a dificuldade em conseguir alguns dados biográficos dos meus Inesquecíveis. Portanto, destaco que essas informações biográficas consegui com Mãe Cléo de Iansã – filha de santo de tia Stella e Iyalorixá do Ilê Asiwajú, situado em Santana do Parnaíba, no Estado de São Paulo. Ela afirma as datas supracitadas pois também conviveu por muitos anos com tia Elpídia. Considero como fonte segura.
Fora a convivência que tive com tia Elpídia aqui no Opô Afonjá, tive o privilégio em fazer algumas viagens com ela para o Ilê Asiwajú, junto com tia Stella e alguns outros irmãos. Em 2003, no Asiwajú, tia Elpídia confirmava pelas mãos de Mãe Stella, o título de Iyá Dagan – ¬cargo feminino de extrema importância na liturgia do Candomblé. Tia Elpídia foi a primeira Dagan desta casa de força. Lembro de uma passagem muito engraçada e emocionante quando, lá em Santana, resolvi fazer um escaldado de peixe. Sempre que ia pra lá, levava daqui: farinha, dendê, camarão seco e pimenta. Na cozinha do Axé tem um fogão a lenha que adoro – sobretudo para fazer comidas. Quando tia Elpídia soube que eu iria cozinhar e que o cardápio seria peixe, ela ficou bem animada, pois estávamos há dias comendo o básico, por conta da correria do Candomblé: feijão, arroz e bife. E a noite, pizza [risos]. E como uma boa filha da Ilha de Itaparica, onde comer peixe é quase que um ritual, tia Elpídia esperava confiante e bem animada.
As obrigações já tinham sido concluídas. Então, ela pediu pra Cléo pegar a garrafa de vinho branco que havia guardado para uma ocasião especial. E comer peixe era uma boa ocasião! Enquanto eu cortava os temperos, temperava o peixe e controlava a intensidade do fogo pela chaminé, tia Elpídia rememorava seus tempos de menina na Ilha. Todos à mesa, rindo e rememorando os tempos de outrora. Lembro nitidamente das gargalhadas de tia Stella com os gracejos de tia Elpídia: ê saudade boa! Enquanto elas bebiam vinho, eu tomava minha cerveja, pois para labutar com o calor do fogão a lenha, só com uma gelada!
A cozinha era puro cheiro de coentro e dendê. Comida pronta; mesa posta e todos apreensivos para provarem do meu tempero: tia Elpídia salivava! Fiz questão de servi-la. Na primeira garfada, era visível o seu deleite. O molho de pimenta malagueta com limão, cebola roxa e bastante coentro verdinho, descongestionava as vias aéreas, pois, todos fungavam [risos] – dadas as condições climáticas do local. Tia Elpídia gostava muito de vinho branco e, à cada gole dado, era um punhado de pirão com peixe. Era emocionante vê-la comer, pois o meu tempero ativou suas memórias afetivas! Ela me agradecia dizendo que aquele peixe tinha gosto de infância. Chegou ao ponto de ela olhar pra tia Stella, pedir licença e começar a comer de mão – um ato de conexão ancestral com a comida: ela – literalmente – se lambuzava com a cabeça do peixe: ela comia rezando. Tia Stella ria e eu me sentia orgulhoso.
Trazer essas lembranças à tona me fizeram feliz! Ciente estou que estamos aqui de passagem. Chegou o momento de tia Eplídia retornar para sua origem, deixando muita saudade.
A boa energia desta Iwin continua em vigilância, agindo e nos protegendo.
Êpa Babá!