A vida em um bloco de notas
Confira o nosso editorial deste domingo (19)
Foto: Reprodução
Há pedaços inteligíveis no meu diário. Releio as páginas e ainda não entendo algumas frases. Mal escritas, mal interpretadas, mal contadas. Mas como consertar o garrancho e enfim ler palavras inteligíveis?
Penso em apagar, mas não é a saída. Equívocos, inevitavelmente estão ali eternizados. Erros, não um errante e por isso que constantemente retorno às palavras grosseiras para entender aquelas passagens obscuras. É uma escrita rápida, ora com letras garrafais, ora minúsculas. Tudo se confunde com a inconstância das entrelinhas.
Há ainda as páginas em branco. O nada absoluto, mas repleto de subjetividade. O que os olhos não leem a memória idealiza. Idealiza linhas bem escritas, com palavras fantásticas. Idealiza o que não quis ali escrever outrora. Porque não existem momentos nulos, eu sei. Foram apenas ocultados, mas nunca não vividos.
Retorno àquelas páginas mal escritas. Releio, não entendo, forço a vista e enfim percebo. Não são erros, apenas palavras a serem descodificadas. De certa forma, com ou sem propósito, a história foi contada propositalmente ilegível. Talvez faça sentido na próxima vez que revisar o diário. Talvez entenda com outra luz.
O importante, aprendi, é seguir em frente com o ofício da escrita e constantemente reinterpretar os rascunhos de tudo aquilo transfigurado em palavras num arquivo de bloco de notas (antigamente era numa folha de papel). É afinal, pedacinhos da vida que contamos para nós mesmos.