Dino determina retirada de circulação de livros jurídicos com trechos homofóbicos
Ministro também considerou que as obras jurídicas questionadas no STF podem ser reeditadas e vendidas ao público
Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a retirada de circulação de quatro obras jurídicas com conteúdo homofóbico, preconceituoso e discriminatório direcionado à comunidade LGBTQIA+. A decisão é desta sexta-feira (1º).
O ministro também considerou que as obras jurídicas questionadas no STF podem ser reeditadas e vendidas ao público, desde que retirados os trechos "incompatíveis com a Constituição Federal".
Os livros, publicados entre 2008 e 2009, contêm expressões consideradas homofóbicas como "homossexualismo", o associam a um "tipo de anomalia sexual" e "comportamento doentio" e relacionam, com informações erradas e preconceituosas, a comunidade com doenças sexualmente transmissíveis.
"Quanto menos pessoas influenciadas por este tipo de malefício sexual (homossexualismo), mais a sociedade estará protegida do mal da Aids", diz um dos trechos.
O conteúdo também afirma que "muitas mulheres com medo de denunciar que perderam a virgindade, no passado, ou que transaram demais... optaram por favorecer o anus (sic) na relação sexual, como forma de preservar a vagina de possível desgaste". "Esta prática fomentou a cultura maléfica do homossexualismo, onde a 'bunda' tem mais valor que a própria vagina", diz um dos trechos.
Dino disse que os direitos constitucionais de liberdade de expressão e de livre manifestação do pensamento são importantes, mas que a Constituição também impõe a responsabilização civil, penal, criminal e administrativa em casos de desrespeito à dignidade humana.
Para o ministro, os trechos citados podem configurar "tratamento degradante, capaz de abalar a honra e a imagem de grupos minoritários da comunidade LGBTQIAPN+ e de mulheres na sociedade brasileira, de modo a impor a necessária responsabilização dos recorridos".
"Ao atribuírem às mulheres e à comunidade LGBTQIAPN+ características depreciativas, fazendo um juízo de valor negativo e utilizando-se de expressões misóginas e homotransfóbicas, afrontam o direito à igualdade e violam o postulado da dignidade da pessoa humana, endossando o cenário de violência, ódio e preconceito contra esses grupos vulneráveis", disse o ministro.
Ele também afirmou que a sua decisão busca coibir abusos ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento, os quais são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário, com a cessação das ofensas e a fixação de consequentes responsabilidades cíveis de seus autores.
O recurso foi apresentado pelo MPF (Ministério Público Federal), após o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) negar o pedido para retirada de circulação das obras.
O MPF ingressou com ação questionando o teor dos livros após alunos da Universidade de Londrina (PR) localizarem conteúdo homofóbico nas obras disponíveis na biblioteca da instituição de ensino.
Na decisão, o ministro ainda afirmou que o Brasil registrou 257 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+ em 2023 e segue como país mais homotransfóbico do mundo, o que demonstra a importância de reiterar decisões já tomadas pelo Supremo em defesa da dignidade humana.
Das vítimas, 127 eram travestis e transgêneros, 118, gays, nove, lésbicas e três, bissexuais. "É estarrecedor a barbárie com que os assassinatos ocorrem, em total desprezo para com a vida humana", disse.
"Esta casa possui consolidada jurisprudência sobre a importância da livre circulação de ideias em um Estado democrático, porém não deixa de atuar nas hipóteses em que se revela necessária a intervenção do Poder Judiciário, ante situações de evidente abuso da liberdade de expressão, como a que verifico no caso em exame", afirmou o ministro na decisão.