Falha na gestão estadual dificulta solução da violência da Bahia
Jequié é o município mais inseguro do país, seguido de Santo Antônio de Jesus, Simões Filho e Jequié
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Após a Bahia figurar mais uma vez entre os estados mais violentos do Brasil, o Farol da Bahia foi atrás entender as causas desse aumento negativo. Em conversa com o portal, Dudu Ribeiro, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança no Estado, listou três pilares que têm contribuído para o cenário preocupante da violência.
“Em primeiro lugar a migração do tráfico de drogas e armas do Sudeste para o Nordeste nos últimos 10 anos, com a mudança na rota da cocaína. Em segundo, a pulverização de muitas organizações trabalhando nesse mercado ilícito, com participação e conluio de agentes corruptos e grandes empresários. Outro ponto e talvez o mais decisivo é a manutenção pelo Estado de uma lógica de segurança pública baseada na política do confronto. Uma guerra contra as drogas que nunca foi uma guerra contra substâncias e sim contra pessoas e contra territórios específicos. Isso, por mais que seja vendido como uma solução, tem colocado mais armas nesse processo e mais violência”, analisou ele, em entrevista ao Farol da Bahia.
Dentre as 50 cidades mais violentas do Brasil, as quatro primeiras são da Bahia, segundo levantamento recente feito pelo anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na semana passada. Na lista, outras oito estão presentes.
A mais violenta do país é Jequié, no sudoeste baiano, que lidera a lista com 88,8 homicídios para cada grupo de 100 mil pessoas, seguida por Santo Antônio de Jesus 88,3, no Recôncavo, Simões Filho (87,4) e Camaçari (82,1), na Região Metropolitana de Salvador.
Feira de Santana, no centro-norte, está em nono lugar, com 68,5 homicídios a cada 100 mil pessoas. Estão na relação ainda Juazeiro, em 10º (68,3); Teixeira de Freitas, em 11º (66,8); Salvador, em 12º (66), Ilhéus, em 14º (62,1); Luís Eduardo Magalhães, em 18º (56,5); Eunápolis, em 19º (56,3); e Alagoinhas, em 25º (53). Segundo a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, a guerra entre facções é o principal impulsionador da violência no estado. A pasta afirma ainda que intensificou o combate às organizações criminosas em Jequié para conter os crimes relacionados às disputas entre traficantes.
Dudu Ribeiro defende ainda, que a resistência do Governo da Bahia em admitir os graves problemas de segurança pública e as falhas da gestão estadual para melhorar o cenário no setor dificultam a chegada a uma solução efetiva.
“O que falta é o poder público admitir que precisamos, primeiro, de uma boa produção de dados e de transparência nesses números, porque isso é o que consegue subsidiar as políticas públicas e direcionar os recursos do setor para as ações adequadas. A ausência serve para manutenção da continuidade dessa lógica de distribuição desigual e de morte enquanto política de Estado. A gente precisa saber como fazer investimento da forma correta. Outra coisa muito importante é entender segurança pública como uma área intersetorial e planejar como o conjunto de equipamentos do estado pode atuar na melhora do setor, com um plano envolvendo as secretarias de Educação, Cultura, Direitos Humanos, Promoção da Igualdade Racial e outras. Assim, vamos em busca da prevenção, porque atualmente estamos investindo na coação e na produção de mais confrontos”, pontuou ele.
Outro traço importante do anuário é o racial. A população negra encarcerada alcançou o maior patamar da série histórica, chegando a 68,2% do total das pessoas presas.
O levantamento indica que em 2022 existiam 442.033 negros detidos nas penitenciárias do Brasil. Em 2021, o índice de negros presos era de 67,5% e quando o balanço anual passou a ser contabilizado, em 2005, os negros representavam 58,4% das pessoas presas no país.
Em 2022, os brancos no sistema prisional eram 197.084, o equivalente a 30,4%. Há 18 anos, a população branca encarcerada representava 39,8% dos internos do sistema prisional.
Para Dudu, o problema racial do Brasil, que se evidencia na violência contra a população negra, está na forma como a sociedade foi construída desde a sua raiz.
“Esses números têm relação direta com o histórico de um país criado a partir de uma lógica antinegra. Isso envolve o conjunto de instituições - educação, emprego, saúde -, que deságua na distribuição desigual de oportunidade a partir da raça. Só que na segurança pública, isso fica ainda mais dramático, porque tem um monopólio do uso da força pelo Estado, com letalidade intencional. Existe uma Justiça, com um quadro majoritariamente branco, julgando e condenando vidas negras”, analisa ele.