O curto e profundo domínio holandês
Confira a crônica deste domingo (1)
Foto: Reprodução
Há 366 anos, em 26 de janeiro de 1654, terminava o domínio holandês sob porção do Nordeste do Brasil. Naquele dia, Holanda e Portugal acordaram a debandada de toda a colônia holandesa. No entanto, nada imediato: a assinatura do tratado de Paz de Haia só aconteceu em 6 de agosto de 1661. O que ficou foi o legado da exemplar administração pública e obras engenhosas, cuja funcionalidade são até hoje reverenciadas. Com a assinatura da rendição, os holandeses devolviam, além de Recife, a ilha de Fernando de Noronha, o Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e a ilha de Itamaracá.
Os holandeses atracaram no Brasil em 1624, na costa baiana da então capital da colônia, Salvador. Os navios oriundos dos Países Baixos aproveitaram a fragilidade política de Portugal naquela época para também se beneficiar das matérias-primas abundantes no Novo Mundo. A presença holandesa naquela porção pouco durou. Foram expulsos pelos portugueses, mas em 1630, desta vez numa invasão bem-sucedida, conseguiram Pernambuco.
Já com Maurício de Nassau no comando da missão, os holandeses novamente tentaram invadir Salvador, em 1638. A lápide na Igreja de N. S. de Escada é a salvaguarda desta história e prova que ali os holandeses tiveram um certo e curto domínio. Houve dois embates em Santo Antônio Além do Carmo, como indica outra lápide na fachada da Igreja, mas os holandeses foram novamente derrotados.
A invasão holandesa está relacionada à união entre os reinos de Portugal e Espanha, a chamada União Ibérica. Por falta de um monarca (Dom Sebastião morreu em uma batalha contra os mouros sem deixar herdeiros), Portugal se integrou à Espanha por 60 anos. Por rixa religiosa (Espanha de maioria católica e Holanda de maioria judaica), o rei espanhol proibiu a presença dos holandeses, exímios comerciantes, na colônia brasileira. Insatisfeitos com a situação, neerlandeses tomaram Salvador, Recife e Olinda.
O domínio holandês em solo brasileiro no século 17 é principalmente representado pela figura de Maurício de Nassau, alemão filho de Guilherme de Orange, um dos líderes do movimento de independência dos Países Baixos e o laranja – cor símbolo da Holanda – é referência direta à relevância do homem àquela nação.
Nassau, no Nordeste, tinha ordens de governar as terras e prosperar a colônia holandesa e, para tanto, adotou um governo liberal, com cobrança de impostos e empréstimo aos senhores de engenho replantar cana-de-açúcar – tropas portuguesas atearam fogo nos canaviais para afugentar os holandeses de Pernambuco. Também liberou cultos religiosos, o que atrai muitos judeus, que desembarcam no Brasil sob a denominação de cristãos novos. Ainda neste período, duas sinagogas foram construídas em Recife, além da “cidade Maurícia”, réplica de Amsterdam para os nobres holandeses se sentirem à vontade nos Trópicos.
O legado deste período é justamente relacionado a aspectos culturais e sociais distintos dos oferecidos pelos portugueses. Os traços judaicos nos aspectos socioculturais, dinamizando principalmente a economia e a organização pública, de modo que houvesse um disparate com o modelo colonial e segregador dos portugueses.
O processo que culmina na expulsão dos holandeses começa em 1645. A Insurreição Pernambucana foi organizada pelos colonos portugueses insatisfeitos com os altos impostos que pagavam à corte holandesa, junto a senhores de engenho que deviam aos banqueiros holandeses, além do clero, que perdia parte do rebanho e território para o protestantismo – um legado holandês.
O cenário de crise e descontentamento, no entanto, é gerado após a era Nassau em Pernambuco. De acordo com relatos históricos, Nassau foi obrigado a repassar o cargo de administrador a outras pessoas e estes, sim, aumentaram os impostos.
Este era o pano de fundo da Baralha dos Guararapes, que aconteceu entre 1648 e 1649, vencida pelos luso-brasileiros e que resultou no fim da dominação holandesa. Neste período, na segunda metade do século 17, a União Ibérica já não existia mais e o trono de Portugal era ocupado pela dinastia de Bragança, que fica por aqui até o final do século 19.
O tema é propício para dinâmicas em salas de aula, além de fundamental ao ensino de História. Pode-se abordar a questão geopolítica em plena era moderna, já que é um embate entre duas nações pelo domínio de uma colônia próspera e distante de seu continente, além da conturbada mistura de religião e política no desenvolvimento econômico, sendo motivo de conflitos em algumas nações até hoje.
La Recuperación de Bahía de Todos los Santos,
A pintura que ilustra esta crônica foi feita em óleo por Juan Bautista Maíno, produzida em 1634 e, está localizada no acervo do Museo del Prado, (Madri, Espanha). A tela retrata como foi a recaptura de Salvador.