Já se passou muito tempo, desde os idos de 1979. Relembro as batalhas que travei como estudante, depois no Parlamento por três mandatos sucessivos, que a restauração democrática dependia da anistia para todos os presos, condenados e exilados políticos e, finalmente, a instalação da Assembleia Nacional Constituinte.
Essas condições eram indispensáveis para a pacificação dos brasileiros que, por tantos anos, e unidos numa sólida aliança de forças, mobilizaram a Nação num espetáculo unânime de compromisso e solidariedade com os valores universais da liberdade e dos direitos humanos.
O continente democrático, ao qual Ulysses Guimarães, líder inconteste das Oposições ao regime ditatorial, sob o lema de “navegar é preciso” lograva alcançar, quando todos os brasileiros recobrasse seus direitos políticos fundamentais e a liberdade de expressão se encontrasse entre eles.
Ainda que estas magnas conquistas da sociedade nacional fossem alcançadas graças à mobilização popular, onde figuras excepcionais, como Teotônio Vilela e representantes da oposição parlamentar, as instituições representativas das Igrejas cristãs, os movimentos de classe, dos advogados aos demais estamentos da sociedade, todos irmanados no ideal democrático, não se excluiu ninguém do benefício da anistia.
Sob a liderança de Terezinha Zerbini e outros indômitos brasileiros, o movimento pela anistia realçou o caráter amplo, geral e irrestrito. Este instituto milenar da civilização foi saudado e recebido pelos brasileiros de todas as classes sociais e diferentes orientações política e cultural.
Um movimento dessa envergadura, contudo, sofreu restrições e terminou, a fim de que o processo democrático não sofresse interrupções ou abalos, estendendo o “perdão” aos criminosos do regime de terror e violências que a Nação acabara de soterrar. O Brasil assimilou a tragédia da História e a todo custo e por todos os meios ainda estamos aprendendo a lição, a de jamais repetir os horrores do passado e de não permitir o que, na atualidade, exprime a brutalidade totalitária que se expande entre nós.
Ainda há pouco vi um vídeo protagonizado por Eliana Paiva, filha de Rubens e Eunice Paiva, cuja história de toda família está sendo conhecida pelo povo brasileiro, através do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e com a participação da premiada atriz Fernanda Torres. O filme, como todos sabem, retrata, em comoventes imagens, o drama vivido pela família com o desaparecimento e o assassinato de Rubens Paiva, executado por militares integrantes da repressão do regime.
Nada mais expressivo do que Hanna Arendt denominou como a “banalidade do mal”, tantas vezes praticado pela sanha assassina de um regime que abandonou a lei e o respeito à vida humana, para sacrificar os valores mais caros da nossa civilização. Covarde e cruel, o regime impôs a uma família um sofrimento permanente, que o êxito do filme está longe de resgatar, ainda que advirta a todos sobre os males impagáveis do crime e do terrorismo de Estado.
Eliana Paiva descreveu a humilhação e o sofrimento a que foi submetida no cárcere, com palavras tão verdadeiras e chocantes, que pronunciadas agora, é se cada um de nós fossemos as vítimas dessa brutalidade, desses crimes e dessa época tenebrosa.
Confesso, humildemente, que não foram outros os meus sentimentos quando presenciei ao vivo o depoimento de uma mulher, mãe de seis filhos menores, esposa de um dos presos condenados pelo STF por supostos crimes cometidos em oito de janeiro, que o único recurso financeiro de que dispunha é o seu salário de servidora pública, com o qual pretendia assegurar o sustento da sua família. Por ordem do Ministro Alexandre de Moraes seu salário foi bloqueado e ela foi impedida de receber a sua parca remuneração, violando o princípio elementar do direito penal, segundo o qual uma penalidade, ainda que acessória, não pode ultrapassar o réu da ação penal. Vive essa família da ajuda e colaboração de terceiros, a fim de evitar que seus filhos pequenos morram de fome.
A tortura mascara os seus métodos, diferentes, mas dolorosos e cruéis. A anistia ampla, geral e irrestrita é o caminho para a recuperar a justiça e a liberdade do povo brasileiro.