Ao publicar meu último artigo, versando sobre a anistia a todos envolvidos nos acontecimento de oito de janeiro, defrontei-me com a dura realidade da tortura, que em nossos dias está travestida de outras modalidades, sem perder, contudo os seus fundamentos mais perversos e odiosos.
A luta pela anistia convoca-nos a refletir sobre a profundidade dessa lídima vitória do povo brasileiro. Cabe repetir esta verdade, às vezes desapercebida ou escamoteada, para que se grave a quente na consciência nacional o seu significado, a que não se confundam as mentes, tomando por dádiva o que é conquista, e não se acolha com titubeios essa vitória.
A anistia, antes de mais nada, é a eliminação da tortura, renascida dos escombros da Ditadura Militar, que ainda teima em nos assombrar. Nunca passou despercebido por todos que a essência da tortura era uma torpe violação da dignidade humana, seja qual fosse a modalidade com que os torturadores agredissem a integridade física ou moral do torturado.
O instituto jurídico pelo qual se almeja a reconquista da liberdade busca renegar a ilegalidade das condenações, a violência infringida aos cidadãos e seus familiares e finalmente a restauração das normas constitutivas do estado democrático de direito. Mas, é sobretudo a plenitude da dignidade do ser humano o que se busca resgatar por inteiro, dignidade que, além dos aspectos jurídicos, atingiu a essência dos direitos humanos.
Não se mede a tortura, por mais estúpida, desumana e hedionda que tenha sido cometida pelo teor desse cometimento, porém é equivalente quando praticada pelos meios morais e psicológicos, destinada a ameaçar a vida de pessoas inocentes, feridas na sua dignidade fundamental.
Ou não será tortura bloquear por via judicial salários de mulheres e filhas que sustentavam numerosas famílias cujos maridos encontravam-se no cárcere, deixar vir a óbito no cárcere preso cuja saúde cardiológica carecia de cuidados médicos especializados, cujos pedido para assegurar esses cuidados fora solicitado ao tribunal pela PGR e sumariamente negado, obrigar centenas de homens a se despirem e depois rastejar de “quatro” para serem observados por agentes policiais?
Uma verdade bíblica é admirável e lema do cristianismo: “não atarás a boca do boi que debulha... se eu planto a vinha não tenho direito do seu fruto¿ digno é o lavrador do seu salário”. A mãe privada do seu salário é tortura sim, tão grave quanto a qualquer uma outra, e não pode obter a leniência de um homem justo!
Vou mais longe. Ninguém que observa os processos totalitários da atualidade, deixa de perceber as transformações ocorridas em sociedades corrompidas, onde os sistemas repressivos são exercidos por órgãos integrantes do Estado que, sob o pretexto de preservar o estado democrático de direito, implantam a caça às bruxas, com as razias policiais ilegais, processos contra parlamentares detentores constitucionalmente da mais absoluta liberdade de expressão através de opiniões, palavras e votos, prisões arbitrárias de jornalistas, censura desenfreadas nas redes sociais, exílio de cidadãos brasileiros, perseguição a órgãos independente de imprensa e esdruxulas investigações de tentativa irrealizada de golpe de Estado sem provas ou evidências cabíveis. Visando espalhar o terror daí decorrente, as prisões se enchem de centenas de presos políticos, os quais são submetidos a humilhações e tortura moral de várias espécies.
Ao largo de toda essa infâmia, vive hoje o país o atropelo de uma crise econômico-financeira de grandes dimensões. A inflação ascendente ameaça gravemente a estabilidade do país, afetando o custo de vida. A crise fiscal galopante está inteiramente fora de controle e as politicas governamentais para conter o descalabro fiscal, só faz aguçar o panorama econômico.
O encaminhamento de soluções mais profundas para a crise envolve uma dimensão política, que implica em colocar ao nível da sociedade a discussão global da economia. Mas isso impõe, como pré-requisito , o fim do atual regime de arbítrio e a implantação de uma Democracia, pois só através dela construiremos os mecanismos adequados ao livre debate, à expressão aberta dos interesses e dos conflitos, para alcançar o consenso necessário.
Há ainda um problema a ser vencido, segundo F. Nietzsche: “as pessoas não querem escutar a verdade porque não querem ver suas ilusões destruídas”!