A mitologia é uma arte perdida, uma das poucas que estão perdidas, uma arte que o tempo devorou. Foi Chesterton quem percebeu que “todo esse assunto mitológico pertence ao lado poético dos homens. Hoje em dia muitos parecem esquecer que um mito é uma obra da imaginação e, portanto, uma obra de arte”.
O politeísmo, expressão maior de toda a mitologia -seja grega, romana, persa ou de qualquer outra civilização – foi uma tentativa humana de alcançar a verdade divina, através da imaginação. O politeísmo não passou de contos de fadas ou memórias bárbaras, de uma humanidade em busca de explicar as suas circunstâncias.
O homem não conhecia nem a si próprio, nem a Deus, conhecia apenas as forças da natureza e quanto elas predominavam, ao passo que a mitologia e a filosofia corriam paralelas, na busca da verdade desconhecida.
O politeísmo, esse aspecto visceral do paganismo, era, durante esse longo período da História humana, uma visão restrita do universo, uma satisfação de um aspecto do homem e não de sua totalidade complexa.
Como vaticinou o gênio irônico de Chesterton, em seu livro O HOMEM ETERNO, “chega um momento na rotina de uma civilização organizada em que o homem cansa de brincar de mitologia e de fingir que uma árvore é uma donzela ou que a Lua fez amor com um homem”.
Ainda Chesterton: “os homens não apenas deixaram de crer nos deuses, mas perceberam que nunca haviam acreditado neles.” Em toda parte, os limites do paganismo eram os próprios limites da existência humana. A visão judaico cristã descortinou, como um raio em céu azul, um novo mundo no qual o homem conheceu Deus, teve consciência de sua totalidade e da criação divina e libertou a filosofia de suas amarras tradicionais.
O cristianismo enraizou-se no Ocidente, através da cultura greco-romana e encontrou na filosofia de Aristóteles a unidade ontológica que fundiu num só conceito o corpo e a alma, a natureza humana e a relação social dos homens, dando consistência ao cristianismo desenvolvido por Santo Tomás de Aquino.
Se o homem descobriu Deus com a morte do paganismo, no Renascimento ele descobre a si próprio, sem contudo confrontar a sua emergência para ocupar o centro da História com um Deus renovado e aberto à um cristianismo reformado.
Nesse longo voo de pássaro, através do qual percorremos a História humana, ressaltando momentos de grande provação e descontinuidade, nos deparamos com transformações que bem poderão ser incluídas como similares àquelas que viram o soterramento dos deuses e o nascimento de Deus, seguido do renascimento do próprio Homem.
Será, por ventura, a morte de Deus ou a mortalha que estamos costurando destina-se à morte do homem que se julga superior a Deus?
De fato, o homem pós-moderno alcançou poderes inusitados.
O que antes não lhe pertencia, agora já lhe pertence, como se a ciência tivesse lhe conferido poderes divinos, tais como extinguir a vida no Planeta, conquistar a coextensividade entre tempo e espaço, romper as barreiras da comunicação e sua inteligência caminha para destruir a unidade da natureza humana e seus atributos naturais, estes considerados meros construtos sociais.
Uma nascente e fortalecida revolução cultural pensa em libertar o indivíduo do seu inevitável destino biológico, fomentando na comunidade humana toda sorte de identidades que divide os homens, as nações e a humanidade, solapando suas raízes cristãs, proclamando a morte de Deus e a insurgência do deus-homem, substituto de Deus e criador de uma filosofia irénica destinada a abolir as religiões monoteístas e oferecer à humanidade mais esta ilusão!