Mais de quatro séculos e meio já se passaram, desde que Tomé de Souza aportou nestas terras de caciques e morubixabas e nela fundou uma cidade, a do Salvador. Ordenou El Rei que, para o cumprimento dessa missão, contasse com a parceria de Diogo Alvarez, o Caramuru, aqui residente há quarenta anos, pai de grande prole, constituída em consórcio amoroso com formosas índias, que o português desfrutou nas noites tépidas dos trópicos.
Era uma sexta-feira, 29 de março de 1549, dia da chegada da esquadra de Tomé de Souza, a data simbólica da fundação da cidade, que logo se tornaria a pérola do Atlântico Sul, o mais rico e movimentado dos portos ultramarinos de Portugal.
Diz a lenda que os mil viajantes, entre degredados e colonos, desembarcaram alvoroçados das naus em busca de água fresca, onde pudessem sorver goles restauradores e refrescar a pele enegrecida de sol e sal. O Porto da Barra era pequeno para aquela multidão ibérica, ávida por respirar os ares do continente, livres do cheiro de vinagre eu bosta de cabra e porco que rescendia do convés imundo dos navios.
Avistaram maravilhados o majestoso Pau Brasil e o verde intenso das árvores, o espetáculo ornitológico das revoadas e o colorido das paisagens tropicais. Nos céus descreviam seus vôos altaneiros as araras de todas as cores, azuis, vermelhas e brancas, como se estivessem legando aos navegantes e fundadores as cores do futuro, com que a cidade nascente festejaria o seu alvorecer.
Certamente não faltou a Tomé de Souza e seus acólitos a percepção histórica da magnitude daquele acontecimento. Hoje a cidade festeja 476 anos de existência e, no seu interior, a grande nação tricolor, revive a conquista do primeiro campeonato brasileiro de futebol, há 55 anos atrás.
São duas efemérides, ambas de dimensões históricas. Se na primeira ingressamos na história escrita, na segunda mudamos a escrita da história. A cidade fundada por Tomé de Souza era a primeira do Brasil, onde começou a nossa aventura política; o tricolor sagrou-se o primeiro campeão brasileiro , antes mesmo de Corinthians e outras poderosas agremiações; a cidade construída pelo arquiteto Luiz Dias tornar-se-ia heróica na luta pela independência do nosso país; o time baiano resgatou as virtudes e a beleza do nosso futebol, conferindo à nossa cidade, a todos os seus habitantes, uma glória inesquecível; se a cidade do Salvador é o berço da cultura e da civilização brasileiras, o esquadrão de aço é o responsável por elevar a Bahia ao panteão das grandes conquistas nacionais.
A cidade e o Bahia são uma coisa só. A História os uniu, não há como separá-los. O que um clama, o outro clama, a dor que um sente é a mesma do outro, a alegria também. Não se tome por coincidência o que é destino, nem se chame de acaso uma identidade profunda. Tão profunda que se Tomé de Souza renascesse, seria Bahia também e toda aquela turma da Vila do Pereira, mais Caramuru, Gaspar, Manoel, Marcos , Diogo Alvarez, filhos homens de Caramuru, sem falar em Ana , Helena, Apolônia, Graça, Joana, Isabel, Felipa, Madalena, suas filhas, e também os Rodrigues, os Barbosas, os Muniz Barreto, os Teles e outros que viviam aqui, além dos degredados, colonos e padres que vieram na esquadra do Governador Geral.