Percorro as ruas da minha cidade e me defronto, finalmente, com uma flor. Amada e muitas vezes desprezada. Posso garantir que é uma flor, a única que nos resta. “É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio o nojo e o ódio”. Desse modo, creio eu, se expressou o poeta Carlos Drummond de Andrade sobre ela. Estou certo, que foi dela que estava falando, em seu precioso livro A Flor e a Náusea.
Ulysses Guimarães deu-lhe o nome de Constituição Cidadã e disse em seu lendário discurso de 8 de outubro: “quanto a ela discordar sim, divergir sim, descumprir jamais, afrontá-la nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria.” Com essas palavras, o comandante que nos guio pelas procelas do mar, proferiu o solene juramento de nossa lealdade às leis ali estabelecidas.
Nos dias tormentosos e diante das sucessivas violações do texto constitucional, perpetradas por ministros que tinham o papel de defende-la, o que temos de fazer para honrar a nossa cidadania? Senão, assumi-la e erguer uma barreira popular que expresse a nossa determinação que a Constituição, fundamento exemplar do estado democrático de direito, é a nossa proteção contra o arbítrio e a violência.
Após 40 anos de promulgada a nossa Carta Magna exibiu notável musculatura política e moral, através dos extraordinários institutos que incluiu no texto constitucional e que ao longo de quase um século de vigência é a base jurídica de um ordenamento moderno e consentâneo com nossos valores liberais e os componentes essenciais de uma república moderna.
Nossa Constituição magnifica os princípios adotadas pela consciência democrática do nosso povo, donde todo o poder emana, e se constitui no documento político, assim como a Assembleia Nacional Constituinte constituiu-se num elemento unificador de amplas camadas sociais do povo brasileiro, com a finalidade de recobrar as liberdades e restituir à sociedade nacional e ao Estado nacional a normalidade institucional, hoje dilacerada.
É em torno da Constituição Cidadã, nascida legitimamente de um poder original derivado do povo, que ancora a convergência das diferentes correntes políticas da nossa sociedade, numa só vontade restauradora da democracia. Essa efeméride, que se comemora neste ano, é um ensejo para que a Nação retome as rédeas do poder, desvirtuada por um bando de malfeitores, que puseram o país ao largo das leis, entregaram-no escandalosamente à corrupção e dissolveram suas instituições políticas e jurídicas.
Não é mais possível permanecer o silêncio dos pântanos. Não se ouve a voz dos prelados das Igrejas, dos militares em seus quartéis, dos Sindicatos livres, dos juristas com suas reflexões, dos professores, dos intelectuais enfim, da massa crítica da Nação, cujas palavras e ações são indispensáveis para retirar os brasileiros deste abismo de absurdos.
Não é tarefa exclusiva de partidos políticos e organizações similares a mobilização do povo para reconquistar direitos, estabelecer rumos seguros, legítimos e permanentes, através dos quais a Nação possa se reconhecer em confronto com sua verdadeira História.
Chegamos ao cúmulo da estupidez, da farsa, da ignorância, da afronta e do medo. Abraham Lincoln foi previdente tanto tempo atrás e nos chamou a atenção para nossos deveres com a nossa própria realidade, quando nos advertiu com sábias palavras: “nós, os cidadãos, somos os legítimos senhores do Congresso e dos Tribunais, não para derrubar a Constituição, mas para derrubar os homens que pervertem a Constituição”.