Até que enfim, o Brasil descobriu outras modalidades de Golpe de Estado. Desde 1964, a fértil imaginação golpista reproduziu aqui o modelo golpista mais tradicional, conhecido à exaustão na América Latina e em outras partes do mundo.
Teve tanques nas ruas, ameaça de conflagração nacional, prisões, torturas e a completa violação da legalidade constitucional. Nova Constituição e introdução dos governos militares e daí derivaram toda sorte de violências institucionais, até a promulgação do Ato Institucional nº 5, com seu séquito de horrores, mortes e torturas, praticados no âmbito carcerário ilegal das Forças Armadas. Isso é o mínimo que se pode dizer, nos estreitos limites desse artigo.
A luta democrática, conduzida pela ampla aliança comandada pelo MDB, uniu forças suficientes para levar o regime exangue às cordas, rejeitando a aventura da luta armada e sob a bandeira democrática da anistia, da Assembleia Constituinte aportamos ao continente democrático, restauramos a Democracia e deixamos o porto para novas navegações.
Hoje, estamos a braços com denúncias de golpes, que pretendem eliminar o estado democrático e direito, derrubar violentamente o Estado Democrático.
Optou-se, primeiramente, acoimar um levante popular que protestava contra os resultados eleitorais de 2022, através, principalmente, das ingênuas manifestações à porta dos quartéis do Exército, em Brasília, de representar um movimento golpista, com a finalidade de instaurar um novo Governo, sabe-se lá de que natureza ou sob o comando de que líder.
Quase duas mil pessoas foram presas, depois de arruaças ou rixas, com danos a bens públicos, dispondo desse modo o Governo e seu executor -o STF, da turba golpista, devidamente identificada. Foi um golpe ”sui generis”, perpetrado, ou melhor, tentativamente perpetrado, por cidadãos e cidadãs da classe média, outros tantos representantes do lupem proletariado, uma porção significativa de velhos e velhas com suas bíblias na mão, doentes, mendigos, ambulantes (vendedores de algodão doce e pipoca), crianças e quem mais estivesse nas proximidades desses perigosas terroristas!
Consta que não foram encontradas nenhum tipo de armas de posso dos golpistas e que eles, provavelmente, desfechariam os crimes pelos quais são acusados pela Suprema Corte, com pequenos canivetes, estilingues, batom e outras armas perigosas não detectadas.
Até ai, já podemos denominar tal ação golpista como inusitada e improvável. Porém, não foi esse o juízo despendido pelas autoridades togadas do STF, as quais passaram a distribuir penas exageradas, algumas de 17 anos. Os presos não tiveram o direito constitucional de serem julgadas dentro do processo legal, por juiz natural, com ampla defesa no gozo de suas prerrogativas, com apelação a tribunais superiores e o que se viu foi um espetáculo de ilegalidades, denunciadas por advogados (a) corajosos (a).
A acusação de atentado violento ao estado democrático de direito, converte-se não apenas numa desculpa para punir brasileiros inocentes, levando-nos a “desconfiar de todos em que o impulso de punir é poderoso,” como dizia Nietzche, mas fica evidente que com o fito de fazer o impossível, o regime apela para o absurdo.
Há ou poucos que acreditam nesta falácia, nesse conto mirabolante. Vale a pena, relembrar o que disse o renomado filósofo Sorem Kierkegaad a respeito de uma situação como essa: “existem duas maneiras de ser enganado . Uma é acreditar no que não é verdade; a outra é recusar-se a acreditar no que é verdade”.
Desacreditada, a fantasia acima ligeiramente descrita, o regime cuidou de criar outra. Envolvendo, dessa vez, pessoas e tramas diferentes, militares, civis e inclusive o ex-presidente da República.
No indiciamento das pessoas, a Polícia elaborou um documento de mais de 800 páginas, agora em mãos do Ministério Público, que sobre ele deverá oferecer denúncia ou arquivar.
Nesse documento identificamos mais de 90 conjecturas, hipóteses e possibilidades. Não há fatos, como se um golpe de estado derivasse de conjecturas ou hipóteses, fosse efetivado por um punhado minúsculo de apenas 39 homens e que dependessem de um taxi para que fosse deflagrado. Lembro a sabia observação de Guimarães Rosa, que não era tão entendido de golpe ou outras tropelias: “tudo, aliás é a ponta de um mistério. Inclusive os fatos. Ou a ausência deles”.
O tal golpe, tão diligentemente urdido na Polícia Federal, não aconteceu, o que equivale dizer que não houve crime contra o estado de direito, mesmo que um punhado de pessoas tivesse imaginado esta hipótese transloucada, o que parece ser mais uma fantasia.
O desdobramento desse imbróglio, idêntico em sua natureza e objetivos à fatos da nossa história republicana, desvendará em algum futuro que nos está reservado.