Adélia Prado, nossa poeta memorável, disse, em um dos seus poemas: “acho que nasci na década errada. Tenho princípios que já se perderam e amo coisas que já não se dá mais valor”. Engraçado, sou assim como ela. Também acho que o tempo que me foi concedido em nada se assemelha àquele que foi projetado, nos idos da minha juventude e dos meus sonhos.
A Democracia, pela qual atirei-me com toda fé da alma apaixonada, dissolveu-se como uma nuvem brilhante, na opacidade do medo, da intolerância e da violência. Tudo aquilo que erguemos do chão calcinado da História - partidos, soberania popular, Constituição, voto, anistia, instituições, direitos, liberdades e esperanças, ruíram por terra .
Muitos perderam a vida inutilmente, arrastados por convicções ideológicas em seus dias crepusculares. Outros tantos deixaram o barco em meio às procelas do mar. Ao continente democrático aportaram todos que se uniram à força indomável das massas, acreditaram no movimento caudal que se expressou nas grandes manifestações dos brasileiros, apoiados nas forças representativas da sociedade civil.
A Ditadura Militar entregou os pontos, não sem antes conduzir a Nação ao seu séquito de horrores, instalando entre nós a censura, as prisões arbitrárias, a tortura, a morte, a repressão brutal, legando, por fim, uma memória sobre a qual devemos ter a coragem e a sabedoria de levantar as intransponíveis barreiras dos direitos fundamentais e constitucionais dos cidadãos, a liberdade de expressão de todos os brasileiros e, principalmente todas as normas constitucionais que asseguram a estabilidade do estado de direito.
Em nome do “estado democrático direito”, como disse a revolucionária francesa Manon Roland, em 1793, quando era conduzida à guilhotina, “ó liberdade, quantos crimes são cometidos em teu nome”, antecipando, assim, o que nosso país vive, submetido à uma Juriscracia, totalitária e anárquica.
A Ciência Política já desenha essa nova forma de eliminar os pródomos de uma democracia nascente, destituída dos meios capazes de enfrentar a tirania do sistema judiciário, quando ele se arvora a subtrair o poder do Legislativo e articular com o regime politico uma forma de dependência servil, principalmente quando se vale de um presidente do poder Executivo, sem respaldo popular e sem base parlamentar.
A Ditadura do Judiciário controla o sistema legal do país, coloca a seu serviço a polícia, que deixa de ser um organismo do Estado, e passa a ser executor de ordens inconstitucionais e ilegais, cuja finalidade é espalhar o medo, desmantelar a liberdade de expressão e construir armadilhas engenhosas, destinadas a divulgar “golpes se Estado”, que beira o ridículo e confunde os incautos.
Esse clima, em que os golpes de estado, os falsos e os prepetrados pelo sistema dominante, lança a população em um pandemônio de narrativas, que, em última análise pretende dividir e confundir a opinião pública, com a ajuda inestimável de uma mídia domesticada pelos poderes dominantes.
Não obstante, o inequívoco apoio popular aos partidos, cada vez mais comprometidos com os valores da Democracia, é evidente que a perfídia da ditadura judiciária vigente no Brasil, pretende implantar o dilema de Jacques Lacan, no qual “cada um alcança a verdade que é capaz de suportar”.
É, como se fora, uma condenação patológica ao desespero e a incerteza, ao medo que todo cidadão acalenta de ter opinião sobre assuntos políticos, pois uma condenação, sem o devido processo legal, conduz o condenado a prisão por longos anos, ao exílio para os que logram escapulir à sanha psicopata dos supremos juízes, à cassação dos seus perfis nas redes sociais, enfim da sua cidadania.
Lembro-me da prodigiosa exclamação do consagrado político da velha guarda, Luís Vianna Filho: “O tempo, esse canalha”!