Investigação sobre fraudes em emendas avança no STF e aponta uso em campanhas municipais
Gabinete de Júnior Mano foi alvo de busca e apreensão em operação que investiga desvio de recursos

Foto: Divulgaçã/PF
O Supremo Tribunal Federal (STF) deu mais um passo nas investigações sobre supostos desvios de emendas parlamentares ao identificar o uso dessas verbas para abastecer esquemas de caixa dois em campanhas eleitorais. Nessa terça-feira (8), uma decisão do ministro Gilmar Mendes autorizou o cumprimento de mandados de busca e apreensão no gabinete do deputado Júnior Mano (PSB-CE), na Câmara dos Deputados, em um imóvel funcional em Brasília e em sua residência em Fortaleza. As informações são do jornal O GLOBO.
A ação eleva a tensão entre Judiciário e Legislativo em meio ao avanço das apurações sobre o mau uso de emendas parlamentares. Atualmente, cerca de 80 inquéritos tramitam sob sigilo no STF, distribuídos entre nove ministros.
Segundo a investigação revelada na terça (8), emendas indicadas por Júnior Mano a municípios aliados teriam sido usadas em licitações fraudulentas. Parte dos recursos recebidos por empresários vencedores teria retornado às campanhas de candidatos apoiados pelo deputado nas eleições municipais de 2024 no interior do Ceará.
Além das verbas ligadas a Mano, a apuração cita a negociação de emendas do atual líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), feita por terceiros. O petista negou qualquer envolvimento e não foi alvo da operação. Também são mencionados os deputados Eunício Oliveira (MDB-CE) e Yuri do Paredão (MDB-CE), que tampouco foram alvos da Polícia Federal.
As investigações são conduzidas pela PF e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), sob relatoria do STF, devido ao foro privilegiado dos envolvidos. Segundo a PF, Mano "exerce papel central na manipulação dos pleitos eleitorais", seja por meio da compra de votos, seja pelo desvio de recursos públicos via empresas ligadas ao grupo criminoso. A investigação, que segue sob sigilo, apura crimes como organização criminosa, lavagem de dinheiro, compra de votos e falsidade ideológica para fins eleitorais. O deputado nega irregularidades e afirmou, em nota, que sua conduta será "reconhecida" ao fim do processo.
Júnior Mano foi o segundo deputado mais votado do Ceará em 2022, pelo PL, partido do qual foi expulso após apoiar o candidato do PT à Prefeitura de Fortaleza. Desde 2021, a cidade de Nova Russas, governada por sua esposa, Giordanna Mano, recebeu a maior parte das emendas indicadas por ele. No entanto, ela não foi alvo da operação.
A investigação também revelou que prefeituras envolvidas no esquema cobravam um “retorno” de até 12% para liberação dos recursos. A denúncia partiu de uma ex-prefeita de Canindé, que relatou ao Ministério Público a existência de um esquema de compra de votos durante a campanha eleitoral de 2022.
Na decisão, Gilmar Mendes autorizou a abertura de uma nova investigação para apurar a destinação e execução irregular de emendas. A expectativa é que a PGR apresente novas manifestações ainda neste semestre.
De acordo com a PF, o esquema era operado por Carlos Alberto Queiroz, o “Bebeto”, eleito prefeito de Choró no ano passado, mas impedido de assumir o cargo por decisão da Justiça Eleitoral. Mensagens obtidas na investigação mostram Bebeto e aliados de Júnior Mano tratando da destinação de emendas a municípios em troca de propina, referida como “pedágio” ou “imposto”, o que a PF classificou como um modelo “institucionalizado de corrupção”.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não se manifestou sobre a operação. No gabinete de Mano, os policiais federais e legislativos atuaram por cerca de seis horas. Foram apreendidas duas pastas e uma mochila com documentos. Houve danos à estrutura do gabinete, como uma maçaneta quebrada.
Outros parlamentares também são alvo de investigações semelhantes. Em fevereiro, o deputado Afonso Motta (PDT-RS) teve seu chefe de gabinete investigado e demitido dias depois. Em março, o STF aceitou denúncia da PGR contra os deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e o suplente Bosco Costa (PL-SE), acusados de comercializar emendas. Já em abril, uma investigação resultou na queda do então ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), denunciado por desvio de emendas em mandato anterior.
Essas apurações têm como base relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) e cruzamentos de dados que apontam a destinação irregular de emendas para municípios ligados a parlamentares, muitas vezes sem critérios técnicos e com indícios de superfaturamento ou uso de empresas de fachada.
O avanço das investigações tem causado preocupação no Congresso, sobretudo diante da possibilidade de novas medidas cautelares, como quebras de sigilo e mandados de busca. A tensão entre os Poderes se intensificou ao longo do ano, impulsionada por episódios como esse.
Em nota, José Guimarães declarou que não destinou emendas aos municípios investigados, como Choró e Canindé. “Reafirmamos que não destinamos emendas à localidade de Choró. Nas eleições, inclusive, disputamos contra o atual prefeito”, afirmou. Sobre Canindé, destacou que “uma simples consulta ao Siafi comprova” a ausência de emendas entre 2024 e 2025.
A assessoria de Eunício Oliveira informou que as emendas são feitas de forma transparente e legal, e que o repasse a Canindé foi indicado apenas em maio deste ano. Ele teria solicitado ao ministro da Saúde a suspensão da transferência. Já Yuri do Paredão afirmou que todas as transferências estão disponíveis no Portal da Câmara, reforçando sua “seriedade e responsabilidade”.