Justiça Federal determina que Exército adote cotas em processos seletivos para colégios militares
60% das vagas devem ser destinadas a pessoas com deficiência, indígenas, negras e de baixa renda

Foto: Divulgação/Exército Brasileiro
A Justiça Federal determinou que o Exército empregue cotas raciais e sociais em processos seletivos para novos alunos em colégios militares em todo o Brasil. A decisão é decorrente de uma ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) contra a Força Armada.
Segundo o MPF, a Força Armada utilizava uma interpretação equivocada da Lei 12.711/2012 para negar a reserva de vagas nos concursos a candidatos autodeclarados pretos, pardos, indígenas ou pessoas com deficiência. A medida vai contra a Constituição e uma série de leis e decretos que estabelecem a obrigatoriedade das cotas.
A Força Armada afirmava que a lei não abrangeria os colégios militares ao citar apenas unidades de educação superior e técnico de nível médio.
A procuradora da República Ana Letícia Absy, autora da ação civil pública, defendeu que, mesmo oferecendo educação em modalidade diferente das mencionadas na lei, os colégios militares são mantidos com recursos da União e, por isso, estão submetidos aos princípios que regem as políticas de combate às desigualdades raciais e sociais.
“Quando editada uma lei prevendo, por exemplo, cotas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, com vistas a corrigir tamanhos e históricos erros legislativos e sociais, não pode ela ser interpretada restritivamente, mas sim de acordo com os fins para os quais foi criada: reforçar o compromisso com a igualdade racial e reduzir o racismo e o capacitismo estruturais e, mais ainda, o racismo e o capacitismo institucionais”, escreveu Ana Letícia.
“Em se tratando dos colégios militares e instituições mantidas por instâncias federais, devem adotar a política de cotas em seu certame. Nada justifica que o governo federal tente promover a igualdade fática no ensino médio, superior e nos concursos públicos federais e exclua essa mesma política pública reparatória da camada que constitui a educação básica do país. Obviamente, a União é um só ente e não pode tratar desigualmente as pessoas de acordo com a fase estudantil em que se encontram”, completou.
Como fica a distribuição de vagas?
De acordo com a ordem judicial do MPF, as vagas devem seguir a distribuição descrita pelo MPF na ação, com base nos percentuais previstos nas normas em vigor.
Sendo assim, ao menos 5% das vagas devem ser destinadas a pessoas com deficiência e outros 5% a quilombolas. Além disso, 50% das vagas devem ser destinadas a alunos egressos do ensino fundamental em escolas públicas, das quais no mínimo 77% devem ser destinadas a pretos, pardos e indígenas. Assim, 40% das vagas serão restritas à ampla concorrência.
Para concorrer às vagas reservadas a pretos, pardos e indígenas, os candidatos deverão apresentar uma autodeclaração étnico-racial. Se aprovados nas provas e convocados, os estudantes também terão que passar por um processo de heteroidentificação complementar.
Essa última etapa ficará sob responsabilidade de uma comissão formada antes da publicação do edital referente ao processo seletivo. Irão constituir a comissão: membros dos colégios militares, das secretarias de educação municipais e estaduais e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
A sentença
A decisão da Justiça Federal reconhece a procedência dos argumentos do MPF, destacando que a jurisprudência e as diretrizes constitucionais sobre o assunto são incontroversas quanto à exigência das cotas em todo o sistema de ensino vinculado à União.
“Ainda que os colégios militares se constituam como entidades diferenciadas e que seu orçamento tenha nascente distinta das instituições de ensino que compõem a rede federal, não há regras que se sobreponham aos princípios constitucionais e à necessidade de concretização da igualdade material”, afirma a decisão da 10ª Vara Cível Federal de São Paulo.
“Se os colégios militares visam à preparação para a futura carreira militar, a reserva de vagas para grupos minoritários representa uma ótima oportunidade para se romper com a sub-representatividade destes grupos em diversas esferas do poder, onde historicamente foi comandado pelas elites. Promove-se, portanto, uma mudança forçada, que o rumo de um Estado conservador e elitista não é capaz de romper”, concluiu.