Ministras do STF apresentam menos votos divergentes que colegas homens do tribunal
Os autores utilizaram um banco de dados inédito de mais de 2 milhões de votos individuais proferidos ao longo de 35 anos
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Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Ministras são menos propensas a apresentar votos divergentes no STF (Supremo Tribunal Federal) que os seus colegas homens, mostra pesquisa recente sobre o comportamento dissidente na corte.
O dado está em linha com evidências de que mulheres são mais interrompidas em julgamentos, sugerindo que dinâmicas de poder relacionadas ao gênero podem influenciar o processo de tomada de decisão no tribunal, diz o estudo.
Os autores utilizaram um banco de dados inédito de mais de 2 milhões de votos individuais proferidos ao longo de 35 anos --da promulgação da Constituição Federal, em 1988, à primeira metade de 2023.
À Folha um dos pesquisadores à frente do estudo, Ivar Hartmann, do Insper, diz que, até o momento, as pesquisas sobre o Supremo e sobre como os ministros votam focavam quase que exclusivamente uma parcela pequena de processos em termos de volume.
"Agora temos informações sobre como os ministros atuam em todas as suas áreas de competência e de jurisdição", diz ele, coautor do artigo ao lado de Diego Werneck, do Insper, e de Evan Rosevear, da Universidade de Southampton (Reino Unido).
De longe, quem mais divergiu ao longo do período foi o ministro Marco Aurélio, hoje aposentado. O magistrado foi responsável por dois terços dos votos divergentes no tribunal. A probabilidade de um voto divergente é multiplicada por 24 nos casos em que ele votou.
Excluindo o "efeito Marco Aurélio" da análise, a pesquisa aponta que, embora em termos absolutos a diferença seja pequena, ministros homens têm o dobro da probabilidade de apresentar votos divergentes quando comparados com ministras mulheres.
Além disso, considerando-se o gênero de quem faz a relatoria dos casos, os relatados por ministras têm menos probabilidade de voto divergente.
As conclusões diferem das de estudos anteriores, que apontavam maior propensão feminina à divergência, no caso da Suprema Corte do Canadá, e maior probabilidade de dissidência no STF, tanto de homens quanto de mulheres, quando a relatora é do sexo feminino.
A disparidade em relação à outra pesquisa sobre o Supremo pode ser explicada pela metodologia, afirma Hartmann.
Os estudos consideram conjuntos de dados distintos colhidos em períodos também diferentes.
Segundo os autores, o resultado do artigo pode ser explicado pela dinâmica de gênero, embora não seja objeto do estudo.
Hartmann levanta como hipóteses para a menor divergência em relatorias femininas a condescendência masculina ou a possibilidade que as relatoras mulheres tenham produzido argumentos mais convincentes, gerando menos divergência. Ambas as possibilidades precisam ainda serem testadas.
A pesquisa ressalta, entretanto, que os resultados devem ser analisados com cautela, já que só houve três ministras do STF até o momento. São elas Ellen Gracie, Rosa Weber e Cármen Lúcia, essa última ainda no tribunal.
Para distinguir os efeitos de gênero de modo mais aprofundado, seria necessário um estudo considerando uma composição mais diversa na corte.
Ideologia
O estudo também analisa a influência da ideologia na probabilidade de divergir. Observou-se que ministros conservadores são em geral 40% menos propensos a emitir uma opinião divergente.
A questão ideológica é complexa, entretanto. Os resultados apontam que ministros considerados progressistas divergem mais quando o relator é progressista do que quando ele é conservador, ao contrário do que se poderia esperar.
Os autores baseiam a análise em uma classificação ideológica de um trabalhado atualizado até 2015. Eles complementam com os ministros empossados depois: Alexandre de Moraes, Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Hartmann diz estar convencido de que essa divisão entre conservadores e progressistas não funciona tanto quanto nos Estados Unidos, por exemplo, e sinaliza a necessidade de um enquadramento ideológico mais adequado.
Transmissão
Da mesma forma, a transmissão de um julgamento --pelo canal da TV Justiça na televisão ou no YouTube-- está associada a uma maior propensão dos ministros a proferir votos divergentes.
"O tribunal do passado era um tribunal em que não havia TV Justiça. Mostramos que TV Justiça tem um efeito em como é que eles se comportam. O tribunal do futuro é um tribunal que vai ter TV Justiça", afirma o pesquisador do Insper.
Além da transmissão, a pesquisa aponta que pedidos de vista, a maior complexidade do tipo de processo e o fato de o presidente do colegiado (da turma ou do plenário) ser o relator aumentam a probabilidade de votos divergentes.