Redes sociais serviram para provocar tentativa de golpe, aponta inquérito da PF
Tema discutido ao longo do julgamento do STF que julga responsabilidade de big techs sobre conteúdos postados nas redes
Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil
A investigação da Polícia Federal (PF) sobre o plano de tentativa de golpe de Estado, depois que Jair Bolsonaro perdeu a eleição em 2022, revela que as redes sociais foram utilizadas para espalhar ofensas e informações falsas sobre o período eleitoral com o intuito de provocar a ofensiva antidemocrática.
Essas plataformas são o foco do julgamento em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que debate a responsabilização das big techs pelos conteúdos postados.
As inúmeras páginas do inquérito revelam como os indiciados utilizaram a ausência de regras a seu favor. As estratégias eram acordadas em plataformas fechadas de mensagem, como WhatsApp e Signal, após os acordos eram publicadas em redes abertas, como X e Facebook. A PF indiciou Bolsonaro e outras 36 pessoas pela trama de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de Direito e organização criminosa.
Segundo a investigação, um dos seis núcleos do golpismo era para à desinformação, que utilizava estratégias comuns na caserna. Outro grupo, que atuava junto, tinha a missão de estimular os militares. Perante as ligações, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, ordenou a divulgação do inquérito do golpe com as apurações que tratam das milícias digitais e da propagação de fake news.
“Os investigados empregaram seus conhecimentos adquiridos na atividade militar para, em desvio de finalidade, realizar ações com o objetivo de incitar as Forças Armadas contra os Poderes constituídos e criar o ambiente propício para o golpe de Estado”, informa a PF no inquérito.
‘Senta o pau’, diz Braga Netto
Um dos exemplos é o desempenho do general Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, que conduziu ataques ao general Freire Gomes, que era comandante do Exército, e ao tenente-brigadeiro do ar Baptista Júnior, então chefe da Aeronáutica — os dois se recusaram participar da trama golpista.
“Senta o pau no Baptista Júnior. Traidor da pátria. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu Braga Netto a um interlocutor em 15 de dezembro de 2022. Algum tempo depois, Baptista Júnior foi fortemente criticado por bolsonaristas nas plataformas, chamado de “traidor da pátria” e “comunista”. A apuração revelou que os interessados no golpe perderam o fôlego em detrimento da recusa de grande parte da cúpula das Forças e procuravam estratégias de pressão com o objetivo de regressar o quadro.
Freire Gomes foi um dos alvos de uma ação tramada, segundo o inquérito. Em depoimento, ele afirmou que recebeu ataques pelas redes, e seus familiares também — uma mensagem de Braga Netto o chamava de “cagão”. Já o coronel Corrêa Netto, que foi mais um dos indiciados, divulgou cinco fotos ligadas a nomes de generais da ativa que eram contra o golpe. “Quem dera fossem só esses”, mandou a um interlocutor, em 15 de novembro de 2022.
A defesa de Corrêa Netto disse que irá esperar pela manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) para discorrer sobre o assunto.
No tempo em que esperavam pela adesão, os militares golpistas fizeram uma carta como forma de pressão contra os integrantes da cúpula que eram contra à ofensiva — Freire Gomes disse na época que iria prender Bolsonaro se o golpe continuasse, como expôs a PF. O documento foi debatido em reuniões, enviado por meio de mensagens e depois divulgado em redes abertas: teve uma petição no Facebook para conseguir apoio e postagens no X.
A carta ainda foi postada em um site de petições on-line. Durante uma conversa com o tenente-coronel Mauro Cid, o coronel Anderson Moura envia o link e escreve: “Disparado”. Os dois também foram indiciados pela PF.
Após se tornar alvo das investigações, Cid fez um acordo de delação premiada com a PF e forneceu informações sobre como integrantes do governo e das Forças Armadas se uniram para que Bolsonaro continuasse no poder. Procurada, a defesa de Moura não deu esclarecimentos.
A PF ainda divulgou o papel do influenciador Paulo Figueiredo Filho na propagação de informações falsas para estimular militares a se rebelarem contra os comandantes. Segundo a apuração, ele forneceu ampla publicidade à carta “para criar a falsa percepção de que haveria um alinhamento das Forças Armadas ao golpe”. Figueiredo comunicou que a conduta “criminosa” relacionada a ele é falar os ocorridos no Alto Comando.
O inquérito ainda revela que um componente do esquema “paralelo” na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) chefiava um grupo direcionado à disseminação de desinformação e ataques a ministros do STF. Chamado de “Grupo dos Malucos”, o objetivo principal, mostra a PF que era, argumentar sobre a credibilidade do sistema eleitoral, incitando a tentativa de golpe.
Mensagens interceptadas revelam que ele direcionava outros filiados sobre os ataques que teriam de ser realizados. ‘‘Senta o dedo para galera’’, escreveu, ao ordenar a divulgação de uma mentira ligada a um familiar do presidente do STF, Luís Roberto Barroso. A PF destaca que a conversa revela que “os servidores tinham consciência que as notícias eram falsas”.