Relatório da Força Nacional sobre 8/1 chegou à Secretaria do DF e ficou parado, diz PF
O documento da Força Nacional é um dos únicos relatórios de inteligência produzidos sobre a possibilidade de ataques na data
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Foto: Joédson Alves | Agência Brasil
A Polícia Federal afirma que o relatório de inteligência da Força Nacional de Segurança que apontava risco de atentado em 8 de janeiro de 2023 foi enviado à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, mas acabou restrito e subutilizado.
O documento da Força Nacional é um dos únicos relatórios de inteligência produzidos sobre a possibilidade de ataques na data, já que a própria Abin (Agência Brasileira de Inteligência) admite ter enviado apenas "alertas" de inteligência por WhatsApp.
Além desse documento, só há registro de um outro, produzido pela Secretaria de Segurança Pública dois dias antes do episódio e conhecido como relatório número 6.
A Polícia Federal diz que as falhas da Secretaria de Segurança Pública do governo Ibaneis Rocha (MDB) são "evidentes", tanto pela difusão restrita de informações como pela ausência do então secretário, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL).
A conclusão foi apontada pela PF no âmbito da investigação que mira exclusivamente a secretaria do Distrito Federal. A peça de 234 páginas, obtida pela reportagem, foi enviada ao STF (Supremo Tribunal Federal) no fim do ano passado.
A PF afirma que o relatório da Força Nacional não foi repassado pela secretaria aos demais órgãos de segurança, "tendo sido possivelmente desconsiderado pela gestão".
"Apesar da extensão e detalhamento do Relatório de Inteligência elaborado pela Força Nacional, a Subsecretaria de Inteligência da SSP/DF [Secretaria de Segurança Pública do DF] não operacionalizou sua retransmissão para os órgãos que tinham necessidade de conhecê-lo", diz a investigação.
"Em vez disso, acrescentou apenas a informação sobre a existência de CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) e as postagens sobre sitiar Brasília com intenções violentas no modesto Relatório de Inteligência nº 06/2023 produzido pela SSP/DF", acrescenta.
A PF não sugere nenhum indiciamento, mas diz que alguns dos citados estão diretamente envolvidos na investigação sobre a interferência da Polícia Rodoviária Federal nas eleições de 2022 e podem estar conectados ao inquérito da trama golpista.
Em 8 de janeiro, a inteligência da Secretaria de Segurança estava sob responsabilidade da delegada da PF Marília Alencar. Ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça, ela acompanhou Torres de volta ao governo Ibaneis após a derrota de Bolsonaro.
A PF afirma que o relatório da Força Nacional foi enviado à Subsecretaria de Inteligência do governo do Distrito Federal em 6 de janeiro. Marília, no entanto, recebeu diretamente o documento um dia antes, segundo um de seus subordinados.
Um dos depoimentos-chave sobre o trabalho da Secretaria de Segurança Pública às vésperas do ataque foi dado à PF pela analista da Subsecretaria de Inteligência da pasta Cláudia Souza Fernandes, autora do relatório número 6.
Cláudia disse ter imprimido os dois relatórios de inteligência e os entregado para os gestores da secretaria o que, para a PF, "indica que, mesmo havendo a possibilidade de disseminar informações mais detalhadas, a difusão foi restrita e subutilizada".
A polícia diz não saber ao certo se a decisão de restringir a difusão do relatório foi de Marília ou de um coordenador que estava abaixo dela. Mesmo assim, aponta que Marília, por estar em posição de comando, deveria ter garantido "a aplicação dos princípios fundamentais da atividade de inteligência (necessidade), especialmente por sua vasta experiência na área".
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal afirmou que não comenta investigações e processos judiciais em andamento. A defesa de Torres não se manifestou.
Os advogados de Marília afirmaram que ela não teve conhecimento do suposto relatório da Força Nacional e ressaltaram que ela foi absolvida do processo administrativo disciplinar aberto pela Polícia Federal instituição a que pertence por ser delegada federal.
A defesa acrescentou "não ter tido acesso ao conteúdo da petição protocolada pela Polícia Federal (PF) no Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da atuação da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) durante os atos de 8 de janeiro de 2023".
"Na ocasião, a delegada exercia a função de Subsecretária de Inteligência e não teve conhecimento do suposto relatório produzido pela Força Nacional antes do evento, tendo entregue a seus superiores o relatório devidamente produzido pela sua pasta", dizem os advogados.
O teor do documento de inteligência da Força Nacional foi revelado pela Folha de S.Paulo em setembro de 2023. A existência do relatório era conhecida desde janeiro daquele ano, mas diferentes autoridades afirmavam nunca terem visto o documento.
O próprio delegado da PF Raphael Soares Astini, que assina a investigação sobre a Secretaria de Segurança Pública, afirma não ter tido acesso ao arquivo da Força Nacional.
A Força Nacional localizou mensagens em que CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) planejavam um atentado em 8 de janeiro contra a vitória de Lula (PT) e sugeriu a existência de uma "associação extremista criminosa com motivações político-ideológicas".
Como a Força Nacional é subordinada ao Ministério da Justiça, a confecção do relatório foi um dos principais argumentos usados por bolsonaristas para forçar, sem sucesso, a convocação do ex-ministro Flávio Dino na CPI do 8 de janeiro.
Ao ser questionado sobre o relatório em 2023, o Ministério da Justiça disse que o documento foi enviado para a secretaria do Distrito Federal e que não havia registros que permitissem saber que providências foram adotadas pela Diretoria de Inteligência do próprio ministério.
A investigação da PF ressalta ainda que a cúpula da Polícia Militar tem batido na tecla de que a falta de informações mais detalhadas por parte da Secretaria de Segurança Pública, em especial de inteligência, "dificultou a resposta integrada adequada".