Chacina do Cabula: ação da PM que deixou 12 mortos completa uma década sem julgamento
Oito policiais militares são réus no caso que corre em segredo de justiça
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A Chacina do Cabula, ação da Polícia Militar que deixou 12 jovens negros mortos, na localidade de Vila Moisés, em Salvador, completa 10 anos nesta quinta-feira (6). Uma década depois, o caso segue sob análise da Justiça e sem solução.
Oito policiais militares são réus. Eles chegaram a ser absolvidos, mas a sentença foi anulada após um pedido do Ministério Público da Bahia (MP-BA).
O Farol da Bahia não teve acesso ao processo, pois o caso está em segredo de justiça. Em 2022, dos nove réus, oito seguiam na ativa. A reportagem buscou a Polícia Militar para saber qual a situação desses agentes na corporação e aguarda retorno.
A ação ocorreu em 6 de fevereiro de 2015, poucos dias antes do Carnaval de Salvador. As vítimas tinham entre 15 e 28 anos. As investigações apontam que foram feitos 143 disparos, sendo 88 certeiros, o que resulta em quase 10 tiros certeiros por vítima. Segundo a polícia, os 12 jovens eram suspeitos de integrar uma quadrilha que planejava um roubo em um banco na região.
Naquela época, a Polícia Militar da Bahia ocupava o terceiro lugar no ranking da que mais mata no país. Hoje a corporação é líder nos casos. Para o historiador e especialista em Segurança Pública, Dudu Ribeiro, a impunidade dos envolvidos na ação constrói a lógica de que as mortes estão relacionadas com eficácia do trabalho das forças policiais, se somando aos fatores para o crescimento da taxa.
“A chacina [do Cabula] foi uma das mais emblemáticas do último período da Bahia, sobretudo porque reforça um processo de ataque à dignidade das vítimas e de que é possível na segurança coincidir letalidade com eficiência”, disse em entrevista ao Farol da Bahia.
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Em 2018, com o argumento de que faltaria isenção na condução do processo por parte das autoridades baianas, a Procuradoria-Geral da República (PGR) tentou transferir o caso para a Justiça Federal, mas o pedido foi negado. Para o órgão, havia indícios de violência policial na operação.
Entre as justificativas apresentadas pela PGR, estavam a fala do governador da Bahia, atualmente ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), de que "um PM de arma em punho é como um artilheiro em frente ao gol".
No ano seguinte, uma normativa restringiu à própria Polícia Militar a exclusividade de investigar crimes violentos cometidos pelos agentes. A decisão ficou ativa até março de 2023, quando o Tribunal de Justiça da Bahia julgou a ação inconstitucional. 5.437 pessoas foram mortas pela polícia no estado durante os quatro anos, com crescimento de mais de 150% em 2023 (1.702), frente a 2019 (605), segundo dados da Rede de Observatório de Segurança.
“Um elemento que é necessário investigar nessa escalada é de que nesse último período, para além da estruturação das organizações criminosas, teve essa resolução de 2019 assinada pela Secretaria de Segurança Pública. Havia um ambiente que sugeria às forças policiais a proteção dos seus excessos, não punição e a gente pouquíssimo investiu em investigação”, analisou Dudu Ribeiro.
Entre os anos de 1988 e 2023, a Bahia somou 104 chacinas, sendo 46 em Salvador, de acordo com a Rede Liberdade e o grupo de pesquisa e extensão Clínica de Direitos Humanos do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).