Denúncia do golpe: advogado chama de ‘arbitrária’ decisão de Zanin que proibiu celulares no julgamento
Em entrevista ao Farol, Rafael Paiva cobrou resposta firme do Conselho Federal da OAB

Foto: Rosinei Coutinho/STF
A decisão do ministro Cristiano Zanin de proibir a entrada de celulares no plenário da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) causou estranheza na terça-feira (22). A medida, adotada durante o julgamento do chamado "núcleo 2" da trama golpista denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), afetou diretamente advogados, jornalistas e assessores, dificultando o exercício do trabalho profissional.
A restrição gerou questionamentos sobre a legalidade da medida e o impacto na transparência das sessões. Na ocasião, os celulares foram lacrados e colocados em sacolas plásticas similares às usadas em provas de concurso público.
Já é proibido fazer imagens dentro dos plenários do STF durante as sessões, sendo a TV Justiça a única responsável pela transmissão dos julgamentos. No entanto, a apreensão de todos os celulares é uma prática inédita.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviou um advogado como observador da sessão e, posteriormente, encaminhou um ofício ao ministro Zanin solicitando a revisão da medida.
“A OAB reconhece a importância da segurança e da ordem nos julgamentos, mas não aceita a restrição dessa importante prerrogativa para nossa atividade”, afirmou a entidade.
Violação ao Código de Processo Civil
Em entrevista ao Farol da Bahia, o advogado criminalista Rafael Paiva classificou a decisão do STF como preocupante, arbitrária e desproporcional. Ele defendeu uma resposta firme do Conselho Federal da OAB e alertou que impedir advogados dos réus de utilizarem celulares durante a sessão viola o Código de Processo Civil.
“Avalio com muita preocupação essa determinação do ministro Cristiano Zanin. Isso porque, além de desproporcional, ela remete a um sigilo incompatível com o interesse público nesse caso. A informação que se tem é que, inclusive, os advogados dos denunciados não puderam ter acesso ao celular, o que contraria o Código de Processo Civil, que garante ao advogado o direito de gravar os julgamentos, independentemente de aviso ou autorização”, explicou.
Foto: Divulgação/Joel Silva (Adv. Rafael Paiva)
Ao ser questionado pela reportagem se o envio de um advogado observador pela OAB teria sido motivado por preocupações com a medida adotada pelo ministro Zanin, Rafael disparou: "Sem dúvida, é uma medida que assusta, não só a advocacia, mas a sociedade em geral."
"E o que mais assusta é que foi proferida por um magistrado que, até ontem, era um dos advogados criminalistas mais combativos do Brasil. Ou seja, um profissional que já lidou com arbitrariedades do Poder Judiciário e que hoje parece ter se esquecido do que sempre defendeu", continuou.
Para o advogado, o envio de um observador pela OAB é uma medida “pífia, tímida e insuficiente”.
Possível restrição à liberdade de expressão
A restrição ao uso de celulares foi implementada apenas após a primeira fase do julgamento, realizada entre 25 e 26 de março, quando o STF recebeu a denúncia contra oito investigados, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para o advogado criminalista Rafael Paiva, a mudança de postura pode representar uma restrição à liberdade de expressão e ferir princípios constitucionais.
“É uma medida estranha, que foge do padrão ao qual estamos habituados e contraria uma garantia prevista em lei aos advogados. Sob qualquer prisma que eu analise, não encontro justificativa legal para essa conduta. Entendo que a restrição, se fosse o caso, deveria se aplicar, e ainda assim com ressalvas, apenas aos ouvintes da sessão. Nunca aos advogados dos denunciados”, concluiu.
Resumo do julgamento
A Primeira Turma do STF já tornou réus 14 acusados de participação na tentativa de golpe de Estado em 2022.
Os denunciados que vão responder a processos penais na Corte estão divididos em dois grupos: o chamado “núcleo crucial” da organização criminosa, que inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados, e o “núcleo de gerenciamento de ações”, formado por seis acusados.
A denúncia contra o primeiro grupo foi aceita no fim de março. Já o segundo grupo virou réu na terça-feira (22).
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